Street photography e alguns textos, porque nunca se sabe o que pode passar pela cabeça ou pela frente.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Origem

Basta o meu twitter desde cedo informando que #odeiocopa para assumir, é um pouco de implicância, uma das coisas, e não  por acaso, que me dão prazer. Mas é verdade que minha psiquiatra (carrego uma comigo) trocou o horário da sessão em função da partida e que eu, voluntariamente, ofereci-me para trabalhar durante o jogo. 

Acho que foi em uma decisão de campeonato brasileiro, ou gaúcho, que meu pai, ao celebrar, quase eliminou a  minha  avó querida. Cecy me criou, tanto ou mais tempo do que ele, mas não por isso, tinha um tremor permanente no corpo todo – Parkinson ou coisa que o valha. Também sofria do coração, hipertensão, falta de um rim e meio, Doença de Paget, uma corcunda deformante, cabelo mal cuidado, humor débil e incontinência urinária, mas era perfeita para mim pelo seu cuidado e companhia, embora seletivos frente a outros afetos. Havia um lustre vintage no centro da sala, anos 1970, globoso, feio e grande, feito de um acrílico crespo de aspecto mal acabado, translúcido apenas o suficiente para deixar a sala sempre a meia luz, e dar sono.  O certame corria sem graça, zero a zero, família reunida,  eu,  estudando, só de corpo presente, e ela, roncando ao ritmo do abano das mãos. Estranho cenário, porque meu pai costumava fugir destes eventos, nervoso –ao extremo- raramente assistia peleja envolvendo seu time, o Grêmio Futebol Porto-alegrense, por quem quase morreu sufocado, encerrado em um closet sem janelas para evitar ruídos de foguetes, mas isso foi outra história. De certo, meu mal estar com relação ao esporte vem do conjunto destas situações de despropósito, mas aquele foi um dia especial. Poucos minutos do fim, o tricolor faz um ponto não mais esperado  decisivo e classificatório. Numa explosão de euforia, em um salto sem apoio, ele cabeceia o adorno luminoso que voa a  se espatifar em pedaços sobre ela. O grito, o barulho, os foguetes, chocaram a velha que acordou para a morte. Alva, cianótica, furta-cor e amarelada estatelou-se ao chão em aparente convulsão generalizada. Despertei de minha leitura médica para uma tentativa  inexperiente de massagem reanimatória na prática. Por sorte, foi um susto, o coração batia tanto que a carótida parecia uma mangueira plástica  de jardim. Alívio, nosso,  ao ver seus olhos com brilho de catarata espiando sem entender todo aquele povo a volta, até meu conforto : “Vó, foi só um gol!”.

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