Tem um gato na janela
e um São Jorge no espelho.
Há dias que a chuva não dá tréguas, sinto a umidade além do
banheiro, e cuido pela porta entreaberta a pilha de folhas e algumas fotos sobre
a cama. Seria familiar esta mania de viver arrumando, sem fim, papéis e
armários, ocupando tempo fingindo fugir do inexorável, acreditando que o
catalogar dos guardados e o desprezar das superficialidades materiais possam
liberar novos espaços para o que sei, é finito.
Memórias, foram-se enquanto escrevia, hoje preservo-me em imagens,
porém, mesmo que as luzes e sombras pareçam mais duráveis, nada são de indeléveis,
também se perdem, ou pela ausência de contexto, ou pela cínica intenção de
mentir, enganar subvertendo sentidos e sentimentos.
A impressão é que todos os dias foram chuvosos, se for
verdade preciso tomar decisões.
Escanhoar ou deixar a barba? Não sei, mas daqui até que
finde o dia, a menos que me distraia em algum fugaz reflexo de vitrine, não
devo perceber qualquer imperfeição deste rosto. Também preciso em algum momento
avaliar se vou desprezar ou manter aqueles registros. Não sei dizer o que os
fizeram especiais nem até quando, em breve devem estar ilegíveis como a
difícil compreensão dos fios brancos, sobras incompletas desta barba.
Bem, como disse, tem um gato na janela e um São Jorge no
espelho. A começar por este, e por mais que tente, não recordo quando na longa repetição
desta rotina o esqueci ali colado a me lembrar que nunca tive fé alguma, a não
ser na minha avó que sempre cuidou para me proteger das chuvas, melhor para o gato, lá do
canto da janela, que por não entender
perdas não se importa com o apagar dos retratos.
Marcelo Soares
Em sua origem este já foi um blog de textos até que redescobri a fotografia, até que resolvesse mudar a forma de me expressar. Esta postagem é uma lembrança e uma homenagem ao meu outro personagem.
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