Street photography e alguns textos, porque nunca se sabe o que pode passar pela cabeça ou pela frente.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Balanço

Tic...Tac...Tic...Tac... Minha avó sentada, mãos tremulas de Parkinson.

Tic...Tac...Tic...Tac... O gato debruçado, quase caindo da pilha de livros, a cola atrapalha a leitura árida de anatomia, entre forames e ósteos Greg espana a monotonia, mas contamina com altos bocejos o cansaço sobre a matéria.

Tic...Tac...Tic...Tac... Um copo de leite não suporta por muito o vazio, aguardo a trégua de músculos e nomes em latim, o gato mia, a avó ronrona dormindo a minha frente, só a mãos balançam.

Tic...Tac...Tic...Tac... O pêndulo do relógio em oito, a sede acalma, o sol discreto estreitado ilumina a lata que recende a ferrugem opaca, biscoitos São Jorge, imagens me esperam, história e nostalgia, a anciã é minha memória e companhia.

Tic...Tac...Tic...Tac... Cansado, reponho o alimento, levanto, o gato de soslaio me observava, boceja, a avó sobressalta, vou a cozinha, volto, a lata aberta no colo dela chama, imagens se agitam para virar lembranças que não vivi mas acordam minha velha.

Tic...Tac...Tic...Tac... O copo, leite, sento ao lado e escuto as mesmas passagens, personagens que não conhecia, sangue que me pertence, além da anatomia árida, mortos criam vida, velhos se mostram como crianças, minha mãe no berço, meu tio no triciclo, meu avô, que nunca conheci, passeando garboso na mesma rua que ontem havia me inspirado.

Tic...Tac...Tic...Tac... A mão balança, a voz da avó se repete como novidade, e eu também me faço acreditar em saber em nostalgia remota do que não foi sentido. Alimento-me, a trégua, o leite, o afeto, a companhia.

Tic...Tac...Tic...Tac... O pêndulo, o balanço das mãos da minha avó, o Parkinson. Um beijo na testa, a lata fecha, as imagens descansam, o gato me espera, os forames e os ósteos são suportáveis, volto aos livros, a cola abana minhas memórias. Saudade!

Para Cecy

Nenhum comentário: