Street photography e alguns textos, porque nunca se sabe o que pode passar pela cabeça ou pela frente.

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Miasmas

Tempo

No tempo da Revolta da Vacina preponderava a teoria dos miasmas, emanação putrida como causadora das principais doenças endêmicas conhecidas na época. Mefitida, pelo desconhecimento de causas, fora esquecida a não ser pelos estudiosos de história.

Ando estranho, há quem atribua a falta de sono. Sei que não descanso o que devia, mas acho que não é para tanto. Algo assombra meu humor, que instável se manifesta, mas mais do que a mim, faz perceber o mesmo em quem me cerca, e nem todos sofrem pelos males de noites agitadas, no entanto, também flutuam ao desequilíbrio de seus hormônios. Não quero repetir a mesma história, prefiro acreditar que haja um miasma emocional no meu entorno. Pode ser que o filme do Saramago tenha me dado esta idéia, ou simplesmente eu precise, mesmo, relaxar o corpo, só queria me manter mais animado, afinal quem desperta por gosto não devia ficar cansado.



Amarildo, e é Amarildo mesmo, sofre de uma sensibilidade extrema. Jurava que não iria sentir falta de Luciana, que além de nome bonito, tinha fama de sacana. Então Amarildo apaixonou-se por Andréia, que era querida, carinhosa e amiga. Amarildo contava os segredos e fez de si, a imagem da primeira, uma vítima. Pouco poderia imaginar-se que surgisse dali saudade. Luciana era maldita, causa de todas as angústias e desalentos, fria em toda essência, tirou-lhe mais do que um periodo precioso de sua existência. Andréia chegou no tempo em que ja haviam lhe cicatrizado as feridas, pelo menos era assim que se sabia. Ouvia a cada amigo, reforçou-se a terapia. Estava pronto para outra história, queria, a última da vida. Mas nem todo carinho bastava, para abafar por completo a melancolia de uma saudade, e vez por outra Amarildo se confunde ao encarar esta verdade. Amarildo é meu amigo e divide isso comigo, embora não fique a vontade, escuto com outros ouvidos, e não sei porque deste relato, mas ignorar Amarildo, não consigo.


Ana tratava seu cão como filho. Lembrei disso porque tenho um agora. Tinha nome de gente, cama enfeitada e um lugar a mesa. O cão fedia, era daquelas raças de olhos e orelhas caídas, corpo massudo, baixo, e mal cheiroso. Tinha nome de gente, nome que não lembro.
Um dia fui almoçar com Ana. Sentei onde não devia. Impregnava o odor que anulava aroma e sabor do que se servia. Ninguem disse nada, nem ela, nem eu, nem o bicho. Preferi fingir que não notara ter feito tal grosseria, não maior do que perder o apetite. O cheiro e o alimento, o sabor ardido e o desconforto me fizeram jurar, nunca teria um cão.
O dela morreu, um dia me disse, chorou como por um rebento.
Tenho um agora que também cheira, em poucos dias já não me importo, nem de ter qeu limpar sua porcaria. Empesta o ar de quem chega, mas, a mim não contamina. Tábido como os miasmas do passado, vou revendo meus conceitos, seus penduricalhos e atavios.




Não sei pregar um botão, meu avô era alfaiate.

Cuido mal das minhas rosas, minha avó, sim, tinha mãos abençoadas.
Muito ouvi as suas histórias de nascimentos e de mortes. Teve gripe espanhola e sobreviveu a vários cortes. Tirou tumor de ovário, seus rins sempre foram precários. Apostaram pouco por sua vida mas venceu muitas e várias corridas. Só não sorria por suas vitórias, longa vida depressiva. Durou muito como sua mãe, mulher de rica prole, criou mais do que gerara, perdeu crias no caminho, mas, longeva, passou crises, epidemias, maus ares e azias. Apagou comendo toucinho, que sob o travesseiro escondia.

Não sei pregar um botão, minha avó foi custureira.

Meu avô tinha boa voz, cantava com excelência, culinária importada, ganhava mais do que comia. Apagou-lhe o coração bem cedo, ficou fama de artista. Conheço-o em foto de fantasma, não provei suas receitas, não pegou febre amarela, viveu antes da SIDA, mas foi uma praga que atacou-lhe o cárdia, uma peste hoje esquecida.



Diário da MOrsa

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